Encantamentos

Quem observa crianças livres brincando na natureza percebe que ali é seu habitat natural. Existe intimidade e fascínio. Curiosidade aguçada. Crianças observam os fenômenos vivos com muita atenção: um pôr do sol, um pássaro, um arco íris, uma teia de aranha orvalhada, uma nova flor.

Quando têm permissão podem permanecer muito tempo conectadas em ambientes naturais. Elas rapidamente percebem que ali é um espaço de pesquisa, que permite vislumbrar padrões que estão relacionados à sua própria vida.

A pesquisa que as crianças empreendem gera proximidade, promove prazer sensorial e encantamento. Nesse momento, o silêncio é precioso. As palavras muitas vezes perdem sua função diante do maravilhamento.

Nos quintais queremos sustentar esse campo, permitir a conexão profunda das crianças e adultes com os outros seres vivos presentes. Afinal, conexão é um dos princípios que rege a natureza. Todos nós, seres vivos, dependemos uns dos outros, estamos interligados em uma teia energética e cíclica que modifica nossos estados de ânimo e cria vínculos afetivos.

A natureza propicia amorosidade? Crianças que têm liberdade corporal e experiências vivas costumam ser mais amorosas e ecológicas? A resposta óbvia, vinda da intuição e da nossa observação cotidiana, seria sim, porém resta um longo caminho a percorrer para compreender como o amor é gerado na relação direta com a diversidade da vida.

Imersão

Seis crianças e nove adultos estão imersos na floresta, divididos em duas casas. Sete dias em que eles apenas serão eles mesmos, poderão fazer o que sabem fazer, mas também terão oportunidades de aprender com o fazer alheio, deixarão o corpo viver em paz, serão guiados pelos desejos mais profundos, sem temer o tempo. Serão guiados pelas crianças. Naquela semana o tempo passa diferente, como se estivéssemos debaixo d’água. As crianças aproveitam as iniciativas dos adultos. Mas nem sempre. Elas fluem no inesperado, horas para ler asterix ou jogar xadrez. Uma manhã para organizar o funeral da cambacica. E também enfrentar aranhas, cobras e o mistério da floresta à noite. Lua nova. Colheita diária de fenômenos. Velas, argila, barro, fogo, cordas, comida fresca em um rodízio de sabores. Queríamos isso mesmo: todos os sabores. Barracas expõem nossa alma. Sempre há espaço para as profundidades, lágrimas, toques sutis, sorrisos e olhares. Música intensa também. Corpos atentos. Uma viagem pra trilha, praia, pedras, olhar o mar solapando as rochas. De repente o mar inteiro bate no peito. Tudo imenso. Amarelo alaranjado. O por do sol anuncia mais um apoteose. Somos trapezistas sem rede. As comunidades não nascem do acaso, elas são forjadas na experiência do cotidiano.

prainha/ guarda do embaú foto: ju berro

A volta do agricultor vadio

E se a agricultura fosse uma experiência de prazer e não de sofrimento? E se a observação da natureza pudesse ajudar você a perceber o que fazer na sua horta? E se você se mudasse para o campo?

A volta do agricultor vadio é meu novo livro, um relato autobiográfico bem-humorado que embaralha histórias da minha experiência em um sítio no meio da floresta. Fiz uma edição ilustrada com aquarelas que conversam com os textos, fragmentos narrativos que compõem um mosaico. Faça o download aqui.

Brincar dentro de si

Nesses dias de isolamento lembrei muito do Rubem Alves, que gostava de brincar com as ideias. As metáforas são brincadeiras do pensamento. A poesia também. Rubem se divertia dançando com as palavras, os versos, os sentidos e os contextos. Capturava o resultado e escrevia uma história. “Há escolas que são asas e escolas que são jaulas”, dizia.  E ainda: “Aí eu lhe pergunto: você lê poesia? Se não, trate de ler. Troque os programas de televisão por poesia.  Se você me disser que não entende poesia eu baterei palmas: que bom! Somente os tolos pensam entender a poesia! Somente os intérpretes têm a pretensão de vir a entender a poesia! A poesia não é para ser entendida. Ela é pra ser vista. Leia o poema e trate de ver o que ele pinta! Você precisa entender um luar? Uma nuvem? Uma árvore? O mar? Basta ver. Ver, sem entender, é uma felicidade! Assim, leia poesia para que seus olhos sejam abertos.”

A brincadeira interior leva a compreensões, insights, piadas, histórias, poesias, roteiros, frases inesperadas, versões, contos e projetos.

E a poesia não vive só nas palavras e no pensamento, ela passeia na música, brota no corpo, vem no olhar, aparece no sonho. Em todos os cantos. Tudo encantado. Basta ver.

contudo

 

 

 

 

 

 

Nau Catarineta

Eu e Carol Paixão (da Casa Curiosa e do Almanaque Curioso) inventamos uma expedição para famílias brincarem na natureza. A proposta é levar os participantes para lugares mágicos, cheios de beleza natural e com mil possibilidades de interação e brincadeiras. Serão três dias entre a Guarda do Embaú e o Jardim das Brincadeiras, de 01 a 3 de maio. Bora?

Mais informações nesse link:

Nau catarineta

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Um quintal

O quintal fica nos fundos da casa, a gente abre uma porta e entra nesse mundo lá de fora. Algumas árvores de fruta convidam a gente pra montar, os galhos são nossos amigos, a gente sobe longe, vai parar lá em cima. Tem o ingá que dá aquela frutinha de algodão, a nêspera fica pros morcegos, a amora mancha o chão e a mão da gente. O ipê faz um tapete de flores. A grama anda surrada de tanto pé que raspa, tanta bicicleta que passa.

Tem a hora que algum adulto traz suco e um pãozinho lá de dentro. Ainda bem, tava morrendo de fome mesmo. Por que correr dá fome? Todo mundo avança e esvazia a bandeja prateada. Depois dá até um sono, mas no quintal é ruim de dormir, eu não consigo parar de brincar. Aquelas meninas não param de inventar moda.

Lugar pra esconder não tinha, mas a gente inventou com caixa de papelão, fez tipo um labirinto. Um dia um menino menor até se perdeu ali dentro. Chorou muito, mas a gente salvou ele.

Junto do muro tem uma estante com material, canetinha, papel, uns fios coloridos, cola, ferramenta até. Deixam a gente usar tudo, é só pegar. Tem pá também pra furar o chão e achar minhoca. Pena que não tem lago pra pescar… Mas a gente brinca que tá pescando, parece que tá puxando mesmo e tudo. Só que na última hora o peixe escapa!

Outro dia achei um tomatinho, só que era amarelo. Comi pra ver. Era gostoso, pena que só tinha unzinho, os outros meninos deviam ter comido tudo, só deixaram aquele porque não viram.

As borboletas aparecem porque tem flores, às vezes vem abelha também. Mas dessa eu tenho medo. Um dia pisei numa e a ferroada doeu.

Quando chove é a maior festa, a gente pisa na poça, faz lama, suja a roupa, mergulha onde dá. Quer dizer, mergulhar mesmo não dá, mas a gente tenta. Sempre tenta!

Aí apareceu um menino com um livro, e ele disse que sabia ler. Mas eu conheço umas palavras, vi que ele não lia muito bem não. Mais ele fingia do que lia. Mas fingia bem e todo mundo gostou da história. Por que não pode inventar? Ali no quintal pode. O melhor de tudo é que quase nunca tem adulto por perto, a gente pode inventar o que quiser, pode ser quem a gente é.

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Novos espaços vivos para crianças

Neste maio vim para São Paulo construir mais dois espaços para crianças brincarem com elementos da natureza, o que eu chamo de Jardins de Brincadeiras, termo que batiza esse blog.

O primeiro deles durante o AVISTAR, um evento que reúne passarinheiros, biólogos, ornitólogos e educadores ambientais. Aproveitei podas de árvores do CEPEUSP e varas de um bambuzal que estava abandonado no local.

Extremamente simples e semi-estruturado, o espaço chamou a atenção das crianças que, durante o evento, praticamente “moraram” ali, aproveitando todas as suas potencialidades. A transformação do lugar era constante, muitas vezes animada pelas crianças que não pararam de criar e inventar novas possibilidades.

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Um menino especialmente me encantou, Thomas. Seu jeito entregue, sua criatividade e alegria são especiais. Ele percebeu que ali tinha liberdade de pegar as peças e usar como quisesse, criar o que imaginasse. Liberdade, pra criança, é sinônimo de alegria.

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Claro que eu brinco junto, faça chuva ou faça sol.

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O outro jardim foi instalado na PRAÇA DO CORDEIRINHO, na zona sul de São Paulo por iniciativa da associação de moradores. Adoro trabalhar em espaços públicos, para ocupar o que é de todos, resgatar o pertencimento.

Desta vez foquei em estruturas de bambu. Assistido pelo Adriano e o Araquém, montei uma infinidade de instalações, sem contar as cordas e peças de madeira que ficaram disponíveis para as crianças e adultos se divertirem.

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Um grupo de escoteiras foi escalado para ajudar e a comunidade aprendeu a criar brinquedos de bambu e a fazer diversas amarrações.

Domingo de sol, pais e filhos brincando juntos, a comunidade dando um passo para ocupar a cidade.  Quero que todas as cidades possam ter espaços vivos, mutantes, orgânicos, artísticos e criativos para melhorar nossa conexão com a cidade, com os outros e com a vida.

Para quem se interessar em conhecer esse espaço: fica no final da rua Miranda Guerra.

 

 

 

 

10 instagrams para revelar a criança na natureza

serragem na cabeça

  1. @gui_blauth –  Eu posto imagens de esculturas orgânicas, ateliês de criatividade com elementos naturais, comidas do sítio, crianças e paisagens pelo mundo.
  2. @leslymonrat – Lesly é ativista unschooler e criadora do @trilhasdecriança Publica o dia a dia de seus dois filhos, Tatá e Agninha, sempre empenhados em escalar alguma pedra ou entrar com tudo na água.
  3. @jardimcurioso – Tina (@tinabenavente) e Ju (@juliataragano) não param de inventar possibilidades no quintal de brincadeira livre em Florianópolis.
  4. @almanaque_curioso – criado pelas biólogas e amigas Carol Paixão (@caapaixao) e pela Tina é uma iniciativa que busca inspirar e promover uma infância mais livre, plena e em profunda conexão com a natureza. Deste projeto surgiu a #casacuriosa, onde Carol brinca com a natureza no seu quintal junto com a filha Serena e em parceria com a comunidade da Guarda do Embaú.
  5. @sercriancaenatural – Ana Carol e Rita fazem encontros com educadores, passeios na natureza e escrevem no blog Conexão Planeta. Fotos líricas, sugestões e cursos.
  6. @criançaenatureza – Programa do Alana que visa garantir que crianças tenham acesso à natureza. Fotos e Programações.
  7. @voadorbrasil – Capitaneado pela Thais, o Voador é um acampamento em Atibaia que proporciona muitos momentos bonitos de integração entre famílias e natureza.
  8. @quintal_infancias – Lara é uma entusiasta do brincar livre. Sua vida é dedicada a juntar gente nesses espaços que prepara em Feira de Santana.
  9. @selmatavaresmansani – Selma está de Porto Velho, não a conheço pessoalmente mas já percebi que não para quieta, sempre tramando algo.
  10. @lucianocandisani – Esse tem pouca criança mas uma natureza de tirar o fôlego. Luciano faz fotos impressionantes por todo planeta. Mostre as fotos dele para as crianças!

“Se você sabe tudo, não saberá inventar nada.” Manoel de Barros

 

Cria que voa

Jardim das Brincadeiras, Casa curiosa e Trilhas de criança aproximaram suas práticas e construíram um evento para o Programa Criança e Natureza, do Instituto Alana.

Imaginamos um dia de experiências reais de famílias e interessados no tema, um dia de brincar intenso, de imersão em ambientes naturais com muita troca de experiências.

Pela manhã metade dos participantes foi fazer trilha no rio vermelho, guiados pelo ritmo das crianças. A trilha atravessa mata, dunas e chega ao mar. O projeto Trilhas de Criança é uma iniciativa de Lesly Monrat, que conecta famílias para caminhar na natureza.

TrilhasTrilhas 2

A outra metade do grupo foi conhecer a Casa Curiosa, um quintal de brincadeiras livres e mil possibilidades imaginadas pelas idealizadoras Carol Paixão e Tina Benavente.

A chuva não intimidou ninguém, crianças e adultos de capa exploraram o espaço avidamente.

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Os grupos então vieram todos para o Jardim das Brincadeiras em Paulo Lopes.

Perambulavam pelo espaço muitas famílias e também colaboradores de ONGs, escolas, SESCs e pesquisadores.

Tínhamos ainda a presença da Cheryl Charles, uma das fundadoras da Child & Nature Network, além de Laís Fleury e Bebel Barros, do Programa Criança e Natureza do Instituto Alana.

Giovana Giradi dO Estado de São Paulo fez uma matéria linda sobre a experiência.

O prato do dia no Jardim foi caçar girinos, com direito a alguns banhos involuntários no lago, é claro.

Jardim 2Jardim IJardim IIIJardim IV

Pra fechar o evento fizemos um lanche com pães orgânicos de fermentação natural, frutas e pastinhas. Cada um apresentou seu projeto e pudemos conversar um pouco mais sobre o que vimos e percebemos neste dia, inesquecível!

Conversa IIConversa